Na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), o direito à assistência religiosa se dá de forma a atender tratados internacionais de que o país é signatário.
Na exposição de Motivos à LEP, datada de 09 de maio de 1983, em seu item 41, afirma: “Tornou-se necessário esclarecer em que consiste cada uma das espécies de assistência em obediência aos princípios e regras internacionais sobre os direitos da pessoa presa, especialmente aos que deferem das regras mínimas da ONU”.
Estas regras são de 1955 e “têm como antecedentes remotos as disposições do Congresso de Londres, de 1872, e as de reunião de Berna, de 1926. Publicadas em 1929 no Boletim da Comissão Internacional Penal Penitenciária, essas disposições foram levadas ao exame do Congresso de Praga em 1930 e submetidas à Assembleia Geral da Liga das Nações em 1930 e submetidas à Assembleia Geral da Liga das Nações, que as aprovou em 26.10.1934”. (Exposição de Motivos à LEP, item 69).
Após a II Guerra Mundial, “a Comissão Internacional Penal Penitenciaria propôs no Congresso de Berna, de 1949, o reexame do elenco de direitos da pessoa presa (…). Finalmente durante o I Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em Genebra, em agosto de 1955, foram aprovadas as regras mínimas que progressivamente se têm positivado nas legislações dos países membros”, conforme o item 70 da Exposição de Motivos à LEP.
Como resultado desse I Congresso formalizou-se um Grupo Consultivo que veio a recomendar ao Secretário Geral da ONU, “novas modificações nas regras estabelecidas em face ao progresso da doutrina sobre proteção dos direitos humanos nos domínios de execução da pena” (item 71 da Exposição de Motivos á LEP), firmando novo documento denominado Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Nova Iorque, 1956).
No IV Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Kiato, 1970) firmou-se a Resolução 2.858/197, reiterada pela Resolução 3.218/1974, recomendando aos Estados membros a implantação das regras mínimas na administração das instituições penais e de correção (item 72 da Exposição de Motivos à LEP).
Todo esse desenvolvimento da temática penal penitenciária no plano internacional deu-se entre 1872-1974 e no Brasil o Legislador afirmou que as “regras mínimas da ONU constituem a expressão de valores universais no patrimônio jurídico do homem” (item 73 da Exposição de Motivos à LEP), positivando-as no país, em 1984 com a atual legislação de execução penal.
Esta legislação motivou uma reforma do Estado brasileiro, em conformidade com tendências estabelecidas desde 1893 no Congresso promovido pela União Internacional de Direito Penal, que preconizou “no sentido de jurisdicionalizar, no que for possível o Direito de Execução Penal (…). o texto da conclusão votada naquele conclave já deixava antever a figura do juiz de execução, surgido na Itália em 1930 e em França após 1945” (item 92, da Exposição de Motivos à LEP).
No Brasil, o juízo da execução foi criado em 1984 com a LEP, e, entre outras atribuições cabe-lhe a fiscalização quanto ao correto atendimento aos direitos assegurados aos presos, entre esses à assistência religiosa.
Em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos em San José de Costa Rica, em 22 de setembro de 1969. Este Pacto estabeleceu em seu art. 12 a liberdade de consciência e religião.
Diante do exposto, vê-se que o Brasil, em matéria legislativa, encontra-se alinhado aos desenvolvimentos internacionais em termos de políticas penitenciárias.
No entanto, há que se admitir que o país não foi parte dos principais articuladores desses desenvolvimentos internacionais na temática prisional, seguindo à reboque tais inovações no tratamento aos presos e à adequação de suas instituições penitenciárias, nos termos da lei.
Embora o país possua relevante ação estatal no plano do Poder Legislativo nessa área, o mesmo não se pode afirmar em relação aos demais poderes, como a realidade evidencia e inúmeros especialistas apontam.
No tocante à assistência religiosa nas unidades prisionais, as questões relativas aos direitos dos presos continuam uma área de insuficiências e controvérsias.
Há uma cultura política no país, que mal interpreta os preceitos da divisão e autonomia dos poderes estatais, propostas por Montesquieu no século XVIII, desde que há um excesso de discricionariedade dos Poderes Executivo e Judiciário, que por vezes tornam nulos os preceitos das leis emanadas do Poder Legislativo, o qual ao menos no plano abstrato, melhor representaria a vontade do povo.
Assim, apesar do alinhamento da legislação brasileira aos desenvolvimentos internacionais, ao menos no que diz respeito à assistência religiosa, o país não tem cumprido, em termos gerais, as tendências trazidas nos tratados internacionais.
* Publicado originalmente em 23/02/2016.
* Sergio Gonçalves de Amorim. Possui pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF, 2013), é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2011) e mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP, 2008). Concluiu Licenciatura (1999) e Bacharelado (1997) em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).