O “Minidicionário Jurídico” organizado por Marcos Garcia Haeppner (São Paulo: Ícone, 2008) traz entre os seus verbetes a expressão “capelania penitenciaria” com a seguinte definição:
“Órgão que se encarrega de prestar assistência religiosa nos presídios; seu chefe é o capelão (Lei n.3.274/1957)”.
A referida Lei de 1957 “dispõe sobre Normas Gerais do Regime Penitenciário” e foi integralmente revogada pela Lei nº7. 210/1984, denominada Lei de Execução Penal (LEP).
A Lei revogada trazia em seu art.1º, dentre as “normas gerais do regime penitenciário, reguladoras da execução das penas criminais e das medidas de segurança detentivas, em todo o território nacional (…) A educação moral, intelectual e profissional dos sentenciados”. Sendo que, em seu art. 23 se estabelecia que: “Na educação moral dos sentenciados, infundindo-se lhes hábitos de disciplina e de ordem, também se compreendem os princípios de civismo e amor à Pátria, bem como os ensinamentos de religião, respeitada, quanto a estes, a crença de cada qual”.
A Lei de 1957 tornava obrigatório o ensinamento religioso e acreditava, dessa forma, contribuir para a prevenção da delinquência e para a mudança dos comportamentos delituosos.
Com a reforma do Direito Penitenciário, em 1984, com a edição da LEP, essa forma de concepção do papel da religião no processo de execução penal transformou-se, mas nem por isso deixou de ser considerado menos importante pelo Legislador.
A LEP afirma que em seu art.10 que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”, e no art. 11 firma-se que essa assistência, dentre outras, será também religiosa.
E, mais, a LEP prevê que além de um dever do Estado, a assistência religiosa é direito do condenado e do internado, conforme seu art. 41 e que deve atender as disposições do art.24 da mesma Lei.
Assim, da Lei de 1957 à Lei de 1984 o Legislador continua a considerar que os conteúdos religiosos são contribuições importantes para a prevenção da delinquência e a reforma do comportamento delituoso.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 afirma em seu art. 5º, inciso VII, que “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”.
Vê-se que tal temática é considerada de suma importância pelo Legislador, de modo que, tal posicionamento ensejou desdobramentos em outros instrumentos legais infraconstitucionais.
A Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), denominada “Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil”, em seu “Capítulo XII – Das instruções e assistência educacional” estabelece no art.41 que “os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural profissional e espiritual do preso”.
Nesse sentido, a referida Resolução traz para o âmbito da assistência educacional a formação espiritual do preso, em referencia a educação religiosa como um expediente da política criminal e penitenciária nacional.
Ainda, a mesma Resolução apresenta o “Capitulo XIII – Da assistência religiosa e moral”, que estabelece em seu art.43, parágrafo único, que deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião”.
Poucos anos antes da edição da referida Resolução nº14/1994, do CNPCP, iniciou-se a tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) nº444, de 1991, que “dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares”.
Quase uma década depois, esse PL transformou-se na Lei nº9. 982, de 14 de julho de 2000, a qual estabelece em seu art.1º que “aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso (…) aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes”.
Recentemente, em 2015, o PL nº 2.979 foi proposto à Câmara dos Deputados dispondo “sobre a prestação de assistência religiosa nos locais destinados ao cumprimento de penas de ordem criminal”.
Esse PL visa detalhar e regular expedientes relativos a tal assistência, de modo a dar maiores garantias legal a que a mesma se efetive.
Diante de todo o exposto, vê-se que ao menos da perspectiva do Direito Positivo, o Legislador tem considerado de suma importância o serviço religioso ao individuo que se encontra preso, tendo que a religião contribui para sua reinserção social e a prevenção da delinquência.
Todo esse processo legislativo, em parte, é reflexo das dificuldades de que a assistência religiosa se efetive como prática cotidiana no ambiente prisional.
Em torno da temática da assistência religiosa na prisão há, portanto, uma assimetria relativa às ações estatais caracterizadas por uma hiperatividade do Poder Legislativo no sentido de promover tal assistência, seguida de posturas reativas do Poder Executivo no sentido de cerceá-la. Sendo que em torno dessa questão religiosa, quase não há contenciosos judiciais, apontando para a pouquíssima participação do Poder Judiciário nessa temática.
Texto originalmente publicado em 15/01/2016.
* Sergio Gonçalves de Amorim. Possui pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF, 2013), é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2011) e mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP, 2008). Concluiu Licenciatura (1999) e Bacharelado (1997) em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).