Nos dias atuais, vez por outra, deparamo-nos com tentativas de interpretação do art. 19, I, da Constituição de 1988, no sentido de ser vedado a todo ente político-administrativo qualquer relação com religiões ou igrejas, bem como de ser proibida qualquer tipo de manifestação religiosa na esfera política.
Contudo, historicamente, apenas a Constituição de 1824 manteve uma religião como oficial, qual seja, a Católica Apostólica Romana, dando continuidade ao que ocorria no Brasil Colônia. Com a proclamação da República, em 1889, fez-se necessária a edição de uma nova carta política. Dessa vez, rompendo a relação Estado-Igreja, a Constituição de 1891 traz um Estado laico e ateu, sem religião oficial ou menção de “Deus” em seu texto preambular. Após as alterações constitucionais, a Carta de 1988 preserva a liberdade religiosa, a laicidade e a possibilidade de colaboração por interesse público.
Dessa feita, Estado laico é aquele que não adota uma religião oficial (Estado não confessional, ao contrário do ocorrido na Constituição do Império de 1824), que trata indistintamente partidários de todas as religiões e que veda interferências diretas destas na condução da res publicae. Contudo, a proibição de interferências não se confunde com a vedação de influências, já que as decisões políticas, principalmente sobre alguns temas, como a liberação de pesquisas com células-tronco ou a legalização do aborto, invariavelmente, são tomadas, também, considerando as manifestações dos vários grupos religiosos. E, convém repisar, a própria Carta Magna aloca a possibilidade de “colaboração de interesse público” entre o Estado e os cultos religiosos e igrejas.
Portanto, não há como abolir a religião da dinâmica estatal, como querem alguns propositores de um novo prisma de Estado laico. A fim de resguardar a não adoção de uma religião oficial (CRFB/88, art. 19, I) e, ao mesmo tempo, não infringir a liberdade de manifestação religiosa (CRFB/88, art. 5º, VI), resta imperioso que as religiões tenham o direito de se postarem no campo público como mais uma voz do processo democrático.