O potencial social da assistência religiosa nas prisões

A atual Lei de Execução Penal (LEP) brasileira estabelece em seu art. 1º: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”

A LEP considera que para tal, o “Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”, conforme seu art. 4º.

E, ainda, em seu art. 10, que: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo Único. A assistência estende-se ao egresso.” Sendo que, conforme seu art. 11: “A assistência será: I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa.” E, esses deveres do Estado de assistência ao detento, internado e egresso constituem-se também, em direitos do preso, de acordo com o art. 41, inciso VII, da LEP.

Embora esta lei limite-se à questão dos cultos religiosos no que diz respeito à assistência religiosa (artigo 24), é grande o potencial desse expediente previsto na LEP, aos propósitos da “harmônica integração social do condenado e do internado.”

O perfil sócio-espacial da população carcerária aponta para pessoas oriundas das “periferias” urbanas brasileiras em sua grande maioria. Estes lugares correspondem aos espaços onde tem havido uma grande transformação no campo religioso brasileiro, com a emergência numericamente significativa das igrejas pentecostais e neopentecostais, o que ajuda a compreender de porque nos presídios brasileiros estas formas de manifestação religiosa são também majoritárias entre a população carcerária. As práticas pentecostais e neopentecostais são parte da cultura religiosa das “periferias” urbanas no Brasil, e como a maioria da população carcerária advém desses lugares, reproduzem tais práticas no ambiente prisional.

A questão, no entanto, é que quando essa população retorna a esses lugares, estas igrejas não estão preparadas para recebê-los, e desse modo, contribuir para o processo de reinserção social dos egressos do sistema penitenciário, colaborando desse modo à prevenção do retorno à criminalidade e à reinserção ao sistema carcerário.

Nesse sentido, o artigo 4º da LEP torna-se inoperante. A assistência religiosa prisional, se fosse efetiva, poderia preparar um caminho real de retorno do egresso ao convívio social, por intermédio das organizações religiosas do local de origem dos membros da população carcerária.

A Igreja em seu conjunto tem sido muito tímida em seu papel evangelístico nas prisões, e em cumprir o que Jesus lhes disse: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15). Esta Grande Comissão é estabelecida também em Mateus 28:19-20, Lucas 24:45-48, João 20:21-23 e Atos 1:8.

E a Igreja em seu conjunto também não tem cumprido o potencial de seu papel social no tocante à população carcerária que advém dos mesmos locais em que esta Igreja se faz presente.

E, nesse sentido, esta cristandade deixa de viver o que as Sagradas Escrituras preconizam em Hebreus 13:3, que afirma: “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo.”

Para os cristãos, que são considerados “embaixadores da parte de Cristo” (2 Coríntios 5:20), tal como o apóstolo Paulo assim se considerava em cadeias (Efésios 6:20), essa timidez no trabalho evangelístico nas prisões, e em seu potencial social na reinserção do egresso do sistema carcerário, possui sérias implicações diante da fé cristã.

Jesus Cristo anunciava ao término de seu sermão profético, quando trata da vida eterna e do castigo eterno: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e deste-me de comer; tive sede, e deste-me de beber; era estrangeiro, e hospedaste-me; estava nu, e vestiste-me; adoeci, e visitaste-me; estive na prisão, e fostes ver-me” (Mateus 25:34-36).

Então os que ouviam Jesus perguntavam quando fizeram isto tudo. E o Rei lhes respondeu: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 20:40).

E o Mestre termina esse sermão profético afirmando àqueles que negaram esses serviços aos seus pequeninos irmãos: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mateus 20:41). E, conclui Jesus: “E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna” (Mateus 20:46).

O apóstolo Tiago ilustra bem esta realidade predita por Jesus quando afirma: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma. (…) Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem obras é morta?” (Tiago 2:14-20)

Quando a Igreja deixa de cumprir parte de seu potencial evangelístico e social, requerido pela sociedade, por exemplo, no caso da LEP, dos presos e dos egressos das prisões, confirma-se o que Jesus afirmou:

“Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mateus 22:14).

Texto originalmente publicado em 07/09/2015. 

* Sergio Gonçalves de Amorim. Possui pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF, 2013), é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2011) e mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP, 2008). Concluiu Licenciatura (1999) e Bacharelado (1997) em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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