Prefeito não é teólogo: uma crítica a Antônio Almas, de Juiz de Fora

Esses tempos de pandemia em razão do coronavírus têm provocado inúmeras violações às liberdades. Já escrevi que o simples fato de o Estado determinar que as igrejas permaneçam sem a realização de cultos – por si só – não seria perseguição religiosa.

Contudo, no artigo frisei que estávamos diante de um quadro excepcional, já que restavam proibidas “aglomerações de pessoas em quaisquer espaços. Shoppings, bares, restaurantes, academias de ginástica e parques serão fechados!”

Agora, muita coisa mudou. Locais antes considerados epicentros, como Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo, já permitiram que boa parte dos locais volte ao funcionamento. Shoppings, atrações turísticas e até o futebol… E, pasmem, igrejas permanecem fechadas mesmo nas atuais condições.

Visando preservar a liberdade religiosa algumas Câmaras Municipais aprovaram leis considerando as “atividades religiosas” como essenciais, o que obrigaria o Poder Executivo a conceder o mesmo tratamento dedicado a, por exemplo, supermercados e farmácias: abertura com precauções.

Esse foi o caso de Juiz de Fora, MG. A Câmara aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 49/2020 justamente para caracterizar as “celebrações religiosas como atividades essenciais”. Mas o prefeito da Cidade, Antônio Almas, vetou parcialmente mencionado PL.

Devemos assinalar que o Prefeito acertou ao indicar que “o exercício da fé não se limita aos templos”. Afinal, as dimensões da liberdade religiosa notadamente estampadas no art. 5º da Constituição de 1988 nos dão conta de um exercício amplificado. Aliás, já alertamos que se colhe das normas internacionais que “a proclamação de nossa religião ou crença pode se dar individual ou coletivamente, de modo público ou privado, através do ensino, da prática, do culto e da celebração de ritos”. (Manual Prático de Direito Religioso, 2019)

Mas, se é certo que essa liberdade não se limita aos templos, a prática do culto público e comunitário também merece ser resguardado. É que o expressa, por exemplo, a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções (ONU, 1981):

o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicções compreenderá especialmente as seguintes liberdades: a) a de praticar o culto e o de celebrar reuniões sobre a religião ou as convicções, e de fundar e manter lugares para esses fins.

E o acerto do gestor municipal fica apenas por aqui.

É que o Prefeito, o afã de argumentar que “o exercício da fé não se limita aos templos”, cita artigo do jurista Lenio Streck, mas em parte que podemos considerar até ofensiva à fé alheia:

De todo modo, como parece que os governantes e parcela das igrejas (seus mandatários e fiéis) não aceitam argumentos jurídicos, talvez aceitem argumentos teológicos. Vamos, pois, à Bíblia. O Evangelista Mateus escreve no Capítulo 6, versículos 5 a 8 sobre isso: E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros. Eu lhes asseguro que eles já receberam sua plena recompensa. Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará. E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não sejam iguais a eles, porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem. Sou leitor da Bíblia. E cristão. Portanto, não falo “de fora”. Há livros e sites na internet que mostram a clareza da Bíblia no sentido que você pode – e até deve – orar só. Portanto, não ir à Igreja durante uma pandemia não é pecado. Ao contrário, é cumprimento da palavra do Senhor. Ou, não é assim?

Ora, Prefeito não é teólogo! Não cabe ao mesmo pinçar textos bíblicos isolados para justificar – teologicamente – o fechamento dos templos. E isso por várias razões.

A primeira é que estamos diante de um Estado laico, que não adota religião oficial. Judeus, umbandistas, islâmicos e budistas não fazem uso do Novo Testamento para balizar suas práticas A Bíblia, portanto, não deve ser usada para justificar a proibição das cerimônias religiosas das mais diversas matrizes.

A segunda é que não cabe ao Poder Público impor determinada perspectiva teológica aos cidadãos. Não cabe ao Prefeito interpretar o texto bíblico e impor sua perspectiva aos cristãos! Antônio Almas não é arauto de exegese e hermenêutica!

A terceira é que a citação do jurista Streck, na parte acima mencionada, beira a irracionalidade. Prefeito, o Sr. entende que os líderes e fiéis que buscam abrir as portas de suas igrejas são hipócritas?! O Sr. quer dizer, então, que essa hipocrisia poderá ser superada com o fechamento perpétuo dos templos, já que somente assim já não haveriam orações “em pé nas sinagogas”?

Retomando o aspecto jurídico, cabe a reabertura imediata dos templos para a realização de cultos públicos – ainda que sejam adotadas medidas de prevenção, como o uso de máscaras e álcool gel. É absolutamente descabido o tratamento desproporcional oferecido às igrejas neste momento.

Por exemplo, no mesmo dia da publicação do veto (25/07/2020) vários estabelecimentos já estavam abertos em Juiz de Fora, tais como sorveterias, floriculturas e lojas de jogos eletrônicos. Esses locais são mais essenciais que o livre exercício da fé? Claro que não!

Assim sendo, encerramos esse breve texto reforçando duas considerações: as igrejas devem ser reabertas; e Prefeito não é teólogo.

Manual Prático de Direito Religioso
(465 páginas)

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