Em data recente, 05 de julho, recebi um e-mail com o texto de Jean Wyllys, publicado no dia 02 desse mês no portal da Carta Capital, intitulado O fundamentalismo não é uma prerrogativa apenas do islamismo. Pensando em vários outros afazeres, confesso que cogitei nada escrever em resposta ao deputado; contudo, como desde o início percebi que suas associações não tinham a menor razão, resolvi fazê-lo, ainda que brevemente. Pois bem.
O artigo começa citando cinco casos recentemente ocorridos e que, segundo Wyllys, “são expressões do fundamentalismo cristão e o têm como causa.” Fiz questão de acessar os links expostos no próprio texto do deputado para que não me acusem de partidarismo. Passo a expor os casos para, desde logo, rechaçar seus pressupostos.
O primeiro é a destruição de sete imagens sacras de uma Igreja Católica em Montes Claros/MG, supostamente cometida por um jovem que Wyllys pretende associar a uma “seita cristã neopentecostal”. Fato é que, conforme noticiado pela imprensa – não nos foi possível checar a informação no inquérito policial -, o rapaz, após o delito, teria sido localizado no interior de uma Igreja Universal da cidade e, em seu Facebook, se dizia membro da “Força Jovem da Universal”.
Mesmo que reconheça a suspeita de que Ítalo “não goze de boa saúde mental”, Wyllys afirma que o jovem “teria repetido o famoso ato de um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que investiu contra imagem sacra em rede nacional de televisão”, bem como expõe algo que não tem qualquer relação com o caso: “Quando um pastor defende publicamente que pessoas merecem punição física pelo seu pecado, quem garante que uma ovelha em sua doença mental não vá, de fato, executar o ‘julgamento divino’?”
A refutação, aqui, nos é bastante simples. A uma porque o assessor do Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais da IURD declarou que o rapaz “não pertence ao grupo ‘Força Jovem Universal'”, “visitava a igreja há apenas uma semana e já havia protagonizado cenas de descontrole emocional durante os cultos.” A duas, porque o deputado não cita qualquer manifestação de pastores que defendam que as pessoas sejam fisicamente punidas por seus pecados. Ou seja, além de não ser crível identificar a atitude do jovem com sua suposta pertença religiosa, o deputado quer relacionar destruição de imagens com punição física de pessoas, situações completamente diferentes.
O segundo caso tem como mote o incêndio em uma casa onde funciona um terreiro de candomblé em Duque de Caxias/RJ. Contudo, conforme noticiado pelo Estadão, “Sem apontar suspeitos, ela [a dona da casa] afirma que há cunho religioso, já que sua vida ‘é pautada na questão religiosa’.” Ora, simplesmente expor uma possível perseguição religiosa – não pode ser descartada, por exemplo, uma tentativa de furto que, malsucedida pela razão de não terem sido encontrados objetos de valor, provocou a ira dos criminosos e o incêndio do local – e, mais ainda, associá-la aos cristãos, sem qualquer indício de prova, chega a ser lamentável.
O mesmo se diga do terceiro caso, em que houve a pichação dos dizeres “Vamos matar os gays” e “Deus abomina os gays” numa outra casa, agora na cidade de Rio Branco/AC. O proprietário da casa, presidente da Associação de Homossexuais do Acre e babalorixá de candomblé, em sua página no Facebook escreveu que a omissão estatal em responder às barbáries hodiernas – dentre as quais àquela da mulher arrastada por policiais no Rio de Janeiro/RJ – “ajuda aumentar o estigma, a discriminação que surge diariamente na sociedade com o aumento de setores fundamentalistas religiosos. Que piedosamente acreditam que os gays devam pagar pelos seus pecados, até mesmo com a morte, já que Deus abomina.”
É impressionante que, mesmo sem apresentar qualquer suspeito, o dono do imóvel quer fazer crer que a pichação foi promovida por “fundamentalistas religiosos”! E, vale repetir, de forma maldosa deseja estampar no imaginário popular que cristãos creem numa espécie de “pena de morte” para os homossexuais, o que é completamente descabido. Ademais, o uso da expressão “Deus abomina os gays” pode ter sido usada, justamente, por um grupo contrário aos gays e aos cristãos, visando a identificação destes últimos com o episódio.
O quarto caso aponta que um delegado acreano teria dito nas redes sociais que dois homossexuais deveriam “apanhar de cipó” por assumirem a relação. O delegado escreveu: “Nada contra a opção de cada um, mas que é uma falta de vergonha e de respeito para com nosso Criador e a família, pois família que se preza não aceitaria”. No post no qual se retratou, asseverou: “Venho esclarecer que jamais quis ou quero incentivar a violência, luto contra ela e continuarei (…). Sou homem comum e tenho direito de expressar meus pensamentos, sigo os preceitos bíblicos, embora seja pecador como tantos. Frequento todas as religiões e minha fé está na existência de um ser Supremo chamado DEUS!”
Aqui é importante destacar que embora o delegado se expresse como seguidor de “preceitos bíblicos”, assevera ser frequentador de “todas as religiões”. Ora, um “cristão fundamentalista”, como Wyllys quer relacionar com o ocorrido, as frequentaria? De modo algum!
O último exemplo do deputado é um boicote à Rede Globo que, promovido por um pastor evangélico ante o beijo lésbico na novela Em família, conclamou: “Desligue a TV nesta segunda-feira e vamos derrubar a audiência da Globo até parar com essa afronta aos princípios de Deus”. Percebo, aqui, não uma questão de fundamentalismo, mas de atitude constitucionalmente assegurada nas liberdades de “manifestação de pensamento” e de “consciência e de crença”.
Ora, inexiste fundamento legal que permita ao deputado discordar dos cristãos – em seu texto os quer identificar, inclusive, com exploradores comerciais da fé e “inimigos da democracia” – mas proíba a estes de discordarem das relações homossexuais. Parece-nos, aqui, que Wyllys quer impor uma espécie de “mordaça” aos cristãos, a mesma estratégia usada pela Universidade Federal do Ceará para retirar do ar o brilhante artigo CNJ, ‘casamento’ homossexual e o fim da democracia, da lavra do Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho, professor da instituição.
Com essa análise casuística demonstramos o quão ilógica é a argumentação do deputado. O que há, na verdade, é uma tentativa propositada de Wyllys tomar os cristãos como inimigos número um dos homossexuais e dos adeptos das religiões de matriz africana. Para tanto, faz uso de casos que sequer podem ser catalogados como perpetrados por cristãos, numa verdadeira falácia.
E não é só. O deputado também apregoa que “o proselitismo fundamentalista tem saído dos púlpitos e vigorado (…) na política”, numa clara tentativa de desmoralizar as candidaturas cristãs e as “bancadas religiosas” do Congresso. Sobre esse tema apresentarei um trabalho na V Jornada de Pesquisa e Extensão do Programa de Pós-graduação da Câmara dos Deputados (que realizar-se-á entre os dias 08 e 09 de setembro do corrente ano) defendendo justamente “a legitimidade democrática das ‘bancadas religiosas’ no Congresso”, ou seja, apresentando uma perspectiva diametralmente oposta à do deputado. Mas isso é assunto para outro artigo…