Consequências de violações estatutárias pelas igrejas

Nos termos do art. 47 do Código Civil de 2002, “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.” Assim, caso algum administrador atue fora dos poderes que lhe foi atribuído, tal ato não obriga a instituição religiosa (cabe observar, contudo, os atos abarcados pela feição de legalidade, que podem, em sendo utilizada a “Teoria da Aparência”, ser debitados à pessoa jurídica).

Os casos do art. 50 do CC/02 já foram por nós declinados em outra oportunidade. Para repisar, lembremo-nos que o desvio de finalidade e a confusão patrimonial são condutas caracterizadoras de “abuso da personalidade jurídica”, podendo essa ser afastada para certas e determinadas relações, por decisão fundamentada do magistrado.

No mesmo andar, selecionamos dois casos em os tribunais anularam decisões porquanto tomadas sem respeito aos dispositivos do estatuto de dada instituição religiosa.

EMENTA: CIVIL – ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO – ASSEMBLÉIA REALIZADA POR IGREJA CONTRARIANDO REQUISITOS PREVISTOS EM SEU ESTATUTO – FALTA DE COMPROVAÇÃO DAS CONVOCAÇÕES DOS INTERESSADOS – AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DOS MEMBROS VOTANTES – NÃO ESCLARECIMENTO DOS VOTOS CONTRA E DOS VOTOS FAVORÁVEIS ÀS MODIFICAÇÕES – ANULAÇÃO DA ASSEMBLÉIA E DE SUAS CONSEQUÊNCIAS – ALTERAÇÃO DE NOME DA IGREJA NO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 82, 145, III E IV, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. Os requisitos de validade do negócio jurídico, de caráter geral, são: capacidade do agente (condição subjetiva), objeto lícito e possível (condição objetiva) e forma prescrita ou não defesa em Lei. Se em sua formação restou inobservada forma prescrita em lei ou a preterição de solenidade considerada essencial, impõe-se o decreto de sua nulidade. [TJMG. Processo 2.0000.00.295362-6/000(1)]

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AÇÃO DECLARATÓRIA – IGREJA BATISTA – ANULAÇÃO DE ASSEMBLÉIA – ESTATUTO DESCUMPRIDO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Se o estatuto é claro no sentido de que a eleição ou demissão de pastor só poderão ser tratados em assembléia extraordinária, que deve ser convocada pelo presidente ou pela diretoria, em sua maioria simples, constando da convocação os assuntos a serem tratados (art. 8º e 9º do Estatuto da Igreja Batista de Medina – f. 13), a não observância de tais requisitos leva à anulação da assembléia que desatende tais comandos legais. [TJMG. Processo 2.0000.00361295-7/000(1)]

Ainda, há casos em que ocorrem suspeitas de irregularidades nas pessoas jurídicas, sendo facultados aos membros o ajuizamento de uma “ação de exibição de documentos” para a constatação das ditas irregularidades.

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS – RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE – MEMBRO DA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA – DOCUMENTOS RELATIVOS À ADMINISTRAÇÃO DA IGREJA – POSSIBILIDADE.- A ação de exibição de documento tem natureza cautelar e trata-se de demanda autônoma que se destina a constituir ou assegurar determinadas provas que não estão em poder do demandante. Desse modo, para que surja o dever de o requerido exibir os documentos descritos na inicial, deverá, em primeiro lugar, o requerente comprovar o vínculo jurídico com a parte adversa, bem como demonstrar que a documentação pleiteada enquadra-se em umas das hipóteses do art. 844 do CPC. – Comprovado que o requerente é membro ativo da igreja requerida, tem ele o direito de requerer a exibição dos documentos relativos à administração da instituição religiosa, a fim de se apurar eventuais irregularidades. [TJMG. Processo 1.0035.05.060406-1/003(1)]

Nesse passo, relembramos o que escrevemos no último artigo, no sentido de que “as disposições estatutárias, apesar de livres em dados aspectos, devem respeito às leis e à Constituição, e, caso haja colidência, formal ou material, valem essas últimas”, sob pena de nulidade. E mais: toda decisão institucional que viole o estatuto é passível de ser anulada pelos interessados, que devem propor a ação judicial cabível, dentro do prazo legal (p. ex., 3 anos nos casos do art. 48, par. único, do CC/02). Em havendo dano, moral ou patrimonial, deve a pessoa jurídica, ainda, ser obrigada a repará-lo – regra de sujeição a todo o ordenamento jurídico.

No mais, o respeito às normas legais e estatutárias demonstra o zelo da instituição religiosa para com seus membros e com toda a comunidade, que gozará da presença de uma igreja sadia e consciente de seus deveres terrenos.

Manual Prático de Direito Religioso
(465 páginas)

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