Requisitos estatutários das igrejas

“São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas” (CC/02, art. 44, §1º, 1ª parte). Contudo, apesar da ampla liberdade na organização e estruturação, o art. 46 do mesmo diploma civil traça algumas obrigatoriedades de declaração no registro, nos seguintes termos:

Art. 46. O registro declarará:
I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

O nome da instituição religiosa é de livre escolha dos fundadores, e, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ordenamento jurídico admite que mais de uma igreja tenha a mesma denominação:

Formal e materialmente, não há norma que proteja nome de associação destinada a desenvolver atividade religiosa; de fins, portanto, não econômicos. (…) Não há meios jurídicos que garantam a propriedade do nome de religioso, “podendo ser ostentado, pronunciado, venerado e adotado por quantos seguidores e/ou cultores tenha ou venha a ter, individualmente ou organizados em associações” (acórdão estadual), haja vista o que ordinariamente acontece com as igrejas cristãs pelo mundo afora. (REsp 66529/SP)

Os fins da entidade são, necessariamente, não lucrativos, e devem estar dispostos de forma a abranger tudo o que a instituição pretende realizar. Esses fins também são importantes para a verificação da legitimidade ativa para algumas ações judiciais, como a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, bem como para análise de ocorrência, ou não, de abuso da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do Código Civil de 2002. Servem de exemplo: “anunciar o Evangelho de Jesus Cristo aos homens”, “promover a assistência social aos desamparados” e “incentivar a tradução da Bíblia Sagrada para o idioma dos povos não alcançados”.

A sede da pessoa jurídica, também de livre escolha, determina seu domicílio civil, de grande relevo para a formação de contratos e para questões de ordem processual (CC/02, art. 75, IV e § 1º).
Quanto ao tempo de duração, cabe apenas ressaltar que o mesmo pode ser “indeterminado”.

No que tange ao fundo social, que não se confunde com o patrimônio nem com as formas de admissão de recursos financeiros, o mesmo só deve ser declinado “se houver” (pode ser declarado que “a instituição não possui fundo social”).

Para o preenchimento do requisito mencionado no inciso II, basta a declinação do nome completo e individualização (leia-se, nacionalidade, estado civil, profissão, RG, CPF e endereço) do(s) instituidor(es) ou fundador(es). Frise-se que, dificilmente, na estruturação de uma igreja, haverão diretores, que não devem ser confundidos com o órgão “diretoria”.

A forma de administração, livre, deve ser declarada no registro, e a diversidade está atrelada à imaginação dos elaboradores ou alteradores do estatuto. Pode-se prever a realização de assembléias, ordinárias e extraordinárias, diferentes formas de convocação de membros (edital, afixação em mural, por uso de e-mail, entre outros), casos de admissão e exclusão de membros, direitos e deveres dos mesmos, responsabilidades e atribuições dos cargos, forma de tomada de decisões (por exemplo, maioria absoluta, maioria simples, 60% dos votantes), e tudo o mais que for relevante para a boa gerência institucional. Da mesma forma, cada entidade, à sua maneira, pode determinar os modos pelos quais se “representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente”.

Ainda, o estatuto deve prever se o ato constitutivo da entidade religiosa é reformável, e, em caso positivo, o modo pelo qual isso se processará.

O inciso V, por sua vez, merece uma consideração pontual. Em regra, as obrigações sociais da pessoa jurídica (e a entidade religiosa, como vimos, o é) devem ser suportadas, única e exclusivamente, por ela mesma – a regra tem exceções previstas legalmente. Contudo, em todo caso, pode o estatuto prever que os membros respondam solidária ou subsidiariamente pelas ditas obrigações, sendo cabível que essa responsabilidade esteja prevista apenas para certas e determinadas relações.

Ademais, o estatuto também deve disciplinar as formas e casos de extinção da entidade, e, nesse evento, qual o destino do patrimônio (p. ex., reversão do saldo patrimonial para dada pessoa jurídica de assistência social).

De se observar, por fim, que as disposições estatutárias, apesar de livres em dados aspectos, devem respeito às leis e à Constituição, e, caso haja colidência, formal ou material, valem essas últimas. Por isso, temos tão importante que os instituidores/fundadores sejam apoiados por pessoal capacitado juridicamente.

Manual Prático de Direito Religioso
(465 páginas)

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