A Assistência Religiosa na Prisão e os Direitos Humanos, à Luz das Teologias Políticas

Ao observador atento do sistema prisional salta aos olhos a sempre premente necessidade de humanização das relações sociais entre a população carcerária, em maior grau que desta para com os agentes estatais responsáveis pela gestão penitenciaria.

Nesse sentido, o conteúdo dos Direitos Humanos são muito mais eficazes na contenção da violência estatal, que naquela perpretada no interior das prisões entre a própria população carcerária.

A violência entre os presos é um desafio sem tamanho ao ideal de ressocialização que orienta a Lei de Execução Penal (LEP) brasileira, conforme disposto em seu art. 1º : ” A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

O Legislador ciente dos desafios ao ideal ressocializador, firma no art. 4º da LEP: “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”.

Renato Marcão (Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 5.ed, 2014. 484p.) aponta como forças comunitárias: “Rotary, Lions Clube de Serviços em geral; Lojas Maçônicas, Igrejas: Católicas (pastoral do preso), Evangélica, etc. , Federações Espíritas, Associações Comerciais, de Pais, de Moradores, de Bairro, APAC (Associação de Proteção e Assistência Carcerária) ou qualquer outra com fins lícitos” (p.56).

E, no contexto da LEP, são duas as formas das forças comunitárias se organizarem. Através do Patronato (arts. 78 e 79) e do Conselho da Comunidade (arts. 80 e 81).

No entanto, são muito tímidas tais ações comunitárias, por vezes insuficientes, quando não, inexistentes em alguns casos, sobretudo, do Conselho da Comunidade que tem previsão legal na LEP em existir em cada comarca, porém nem sempre este se efetiva.

Tal desinteresse da participação comunitária no processo de execução penal é provável ser fruto do preconceito e temor difundidos na sociedade, no tocante à população carcerária e ao crime.

Há uma outra forma de viabilizar a participação da sociedade civil no processo de execução penal, que é a previsão de assistência religiosa aos presos, conforme a LEP (art. 10, inciso VI e art. 24), porém esta também tem dificuldades em efetivar-se nas prisões brasileiras, por resistências das autoridades penitenciarias, das próprias igrejas e, mesmo, por parte da população carcerária.

No tocante à assistência religiosa na prisão, mesmo que esta se efetive, há uma questão importante a ser considerada: a orientação teológica de uma determinada assistência religiosa seria capaz de fomentar uma gramática da dignidade humana alternativa aos Direitos Humanos vigentes, capaz de contribuir à diminuição da violência entre os presos?

Em “Se Deus fosse um ativista dos Direitos Humanos” (São Paulo: Cortez, 2. ed. 2014, 174p. ) Boaventura de Souza Santos levanta algumas questões relativas às teologias políticas e sua capacidade em se constituir uma linguagem alternativa aos Direitos Humanos.

Santos classifica as teologias políticas em dois grandes ideais: as fundamentalistas e tradicionalistas, de um lado; e de outro, as pluralistas e progressistas.

Às primeiras, Santos afirma possuírem afinidades com a globalização neoliberal no sentido de que estes fenômenos político-sociais tendem a afirmar ideologias exclusivistas e excludentes, que desconsideram as diferenças e buscam uniformizar as experiências humanas em poucas formas de expressão. Suas características excludentes acabam por contribuir à propagação de diversas formas de intolerância e violência.

Já as teologias políticas pluralistas e progressistas, que Santos identifica sua emergência no cenário internacional nas três últimas décadas, possuem por características tratar o sujeito humano como individuo concreto e ser coletivo, denunciando as múltiplas dimensões do sofrimento humano injusto, que em suas abordagens dessa problemática procura respeitar a interculturalidade nas lutas pela dignidade humana, utilizando-se de narrativas de sofrimento e libertação, nas quais a existência está antes ou para além das interpretações particulares a cada expressão teológica, valorizando a espiritualidade das/nas lutas materiais pela transformação social.

Diante do exposto, que relações há entre as práticas da assistência religiosa prisional, o exercício dos Direitos Humanos e as orientações teológico-políticas na prevenção à violência nas prisões?

Como se argumentou, os Direitos Humanos vigentes, muitas vezes, são ineficazes ao combate à violência entre os presos e não há uma instancia jurídica que dê garantia à eficácia a tais direitos, sendo que os aparelhos estatais que deveriam garantir sua aplicação, por vezes, são os mesmos que contraditoriamente os violam.

Já as práticas de assistência religiosa prisional podem ser indiferentes ao combate à violência entre os presos, ficando apenas no nível do discurso da paz, isso em função de sua orientação teológico-política, conforme a tipologia proposta por Santos, podendo até mesmo promover a intolerância religiosa e as violências a ela associada.

Ou seja, pode-se falar de religião nas prisões e na prática continuar indiferente à dor e ao sofrimento humano injusto, isso na medida em que se é indiferente ao compromisso com as transformações sociais que promovam a humanização das instituições punitivas, e colabore com seu ideal de ressocialização e reintegração social de seus egressos. (28-10-2016)

* Artigo recebido e publicado em 13/11/2016. 

* Sergio Gonçalves de Amorim. Possui pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF, 2013), é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2011) e mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP, 2008). Concluiu Licenciatura (1999) e Bacharelado (1997) em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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