Potencial político do direito à assistência religiosa prisional

Resgatando parte da história do Direito Penitenciário no Brasil vê-se que só recentemente, há pouco mais de três décadas, editou-se no país um documento para melhor regular a matéria. Trata-se da Lei de Execução Penal (LEP) de 11 de julho de 1984, que foi um dos últimos atos dos governos militares que comandaram o país entre 1964-1984. Com isso, estabeleceu-se um procedimento único para o cumprimento da pena no país.

Na Exposição de Motivos da LEP, o Legislador (que por ironia era o Poder Executivo) apresentou alguns dos problemas na gestão penitenciária que esta lei propôs-se resolver.

Um desses problemas era o conflito de competências governamentais na gestão carcerária entre os níveis municipal, estadual e federal, entre os poderes jurisdicionais, e entre estes e os poderes administrativos.

A LEP visou contribuir para a solução da superlotação carcerária, situação que na verdade agravou-se nessas três décadas de vigência dessa lei no país.

Outro dos problemas que a LEP destinou-se a solucionar tem sido o da garantia dos direitos dos presos, os quais foram explicitados nesta lei em consonância com os tratados internacionais dos quais o país é signatário. Entretanto, há ainda a inobservância de parte desses direitos ou a insuficiência em seu cumprimento.

No contexto histórico em que foi editada a LEP, esta veio a dar garantias à legalidade da ação estatal na gestão pública do sistema carcerário, contribuindo à construção de um Estado de Direito no país.

No entanto, a partir de 1984 iniciou-se no Brasil um processo de reforma do Estado que promovesse a democratização da sociedade brasileira, com maior transparência e participação social na gestão pública.

Visava-se a construção de um Estado Democrático de Direito no país, desejo consolidado na Constituição Federal de 1988, buscando não apenas à legalidade, mas igualmente à legitimidade, às ações dos agentes públicos.

Entretanto, o aparelho estatal não é homogêneo e há setores que são mais resistentes à fiscalização e controle social de seus atos, e entres estes estão justamente os responsáveis pela ação repressiva do Estado, tal como o sistema penitenciário.

De um modo geral, a sociedade brasileira desconhece o que ocorre nas prisões brasileiras, seja por um desinteresse ou por dificuldades criadas pelas autoridades carcerárias na publicização de seus atos.

Mesmo a LEP não prevê uma ampla participação social na gestão penitenciária, e talvez, dentre os setores da sociedade civil que mais poderia contribuir para a construção da legitimidade dos atos das autoridades carcerárias, no contexto desta lei, seriam os grupos religiosos, desde que menos enviesados de interesses de classes como o patronato, os setores da saúde, da assistência social e jurídicos.

Os grupos religiosos, ainda que proselitistas, se tivessem irrestrito acesso à realidade prisional, poderiam contribuir para que amplos setores sociais conhecessem melhor a vida prisional, e desse modo pudessem fiscalizar e opinar para o aprimoramento da gestão pública carcerária.

No entanto, as autoridades penitenciárias tendem a dificultar o atendimento do direito dos presos à assistência religiosa, restringindo desse modo o conhecimento e legitimação de seus atos administrativos.

Porém, a maior dificuldade à garantia desse direito vem dos próprios grupos religiosos que, via de regra, não se interessam em atender à população carcerária.

No tocante à questão carcerária, a mídia desinforma e contribui para que se reproduzam na sociedade estigmas em relação à maioridade penal, pena de morte e prisão perpétua, como se estes expedientes fossem uma panaceia ao problema do crime e da delinquência.

Haveria um potencial à promoção da democratização da gestão pública do sistema prisional que adviria da participação dos grupos religiosos na vida da população carcerária.

Porém, violência e fé são temas que, quando muito, se tornam espetáculo televisivo e, mesmo neste âmbito são apresentados como realidades desconexas: de um lado, os programas que espetacularizam o crime e a prisão; de outro, os cultos eletrônicos que se propõe a ser a resposta a todos os males.

* Texto originalmente publicado em 20/07/2015. 

* Sergio Gonçalves de Amorim. Possui pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF, 2013), é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2011) e mestre em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP, 2008). Concluiu Licenciatura (1999) e Bacharelado (1997) em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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